As mãos de Antônio Soares marcam o tempo. Sentado em uma cadeira de
plástico na varanda de casa, ele usa a mesa como apoio para o batuque.
Se não tiver a mesa, a baú da máquina de costura é a opção. Como bom
sambista, sabe ser impossível controlar o tempo, que teima em seguir seu
próprio rumo. Mas Soares sabe também que, na maciota, ele pode ser um
aliado. Assim dá para ditar o ritmo, arranjar um compasso e seguir uma
cadência, como o sambista tem feito ao longo dos seus 80 anos. Para cada
pergunta, uma marchinha preparada na ponta da língua.
O casal Antônio e Marilene Soares mantem a rotina cheia de atividades. "Vou a festas, faço academia. Não paro", conta ela. |
Expostas
na mesa da sala, estão as lembranças de outros carnavais. Panfletos,
fotos, prêmios, pasta com letras de músicas, recortes de jornais. No
meio de tantos objetos cheios de história, um pequeno gravador analógico
de fita se destaca. O que parece mais uma recordação traz o futuro. É
nele que Soares grava as composições e depois passa para o papel. A
inspiração? Está na rotina, na mulher, nos amigos, no noticiário. “Um
dia, meu amigo me chamou para tomar uma cervejinha. Aí eu disse que não
poderia, porque tinha de cuidar do neto. Aí meu amigo disse: ‘Pô, virou
babá?’. Fiquei com essa frase na cabeça e veio o samba”, conta. Em
seguida, Soares emenda a música: “Depois de velho, eu virei babá,
tomando conta de criança para não chorar. Meu Deus, que sina é essa? Que
eu tenho de falar, depois de tanta idade, o vovô ficou gagá”, canta.
Carioca, Soares veio para Brasília transferido pela Aeronáutica. Passou a maior parte da carreira cedido ao Palácio do Planalto. Amante de samba e morador do Cruzeiro, integra a Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro (Aruc), mas foi no Pacotão que as suas marchinhas ganharam mais destaque. Inclusive, tem candidata pronta para 2018, guardada a sete chaves para ninguém copiar. Entre as letras mais recentes, estão a que fala da lei seca e a do acidente de avião que vitimou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki.
Sobre
os 80 anos de vida, o resumo também vem na forma de marchinha. “Eu não
sou velho, não sou. Nem acabado eu sou. Eu topo tudo que vier. Enquanto o
coração bater, o meu papo é mulher. Velho, para mim, não existe. A
idade é você que faz. Hoje, eu me sinto mais jovem do que o tempo em que
eu era rapaz”.
Festas e academia
Como
canta Soares, a nova geração de idosos do século 21 está mostrando que
estar na chamada terceira idade não significa ser velho. A vitalidade,
os planos, a descoberta de hobbies depois dos 60 anos fazem com que a
sensação de velhice esteja cada vez mais distante. Os idosos são 15% da
população. Daqui a 20 anos, a previsão é a de que esse número dobre. E,
segundo a Organização Mundial de Saúde, por volta de 2025, pela primeira
vez na história, haverá mais idosos do que crianças no planeta.
O
corpo menos ágil não é mais desculpa para ficar parado. Se a saúde
parecia frágil e deixava o idoso mais caseiro, agora ele busca qualidade
de vida com exercícios, alimentação e mais acesso à medicina. Esse
perfil da terceira idade não para de crescer. Marilene Soares
Nascimento, 68 anos, é casada com Soares. Ela comenta que a mãe morreu
aos 56 anos. “Minha mãe era mais idosa do que eu agora. Muito mais
comedida, caseira. Hoje, eu vou a festas, faço academia. Não paro”,
comenta.
A mineira Vanilda Alves da Silva
Dias, 70 anos, compartilha da mesma sensação de Marilene. “Minha vó, eu
conheci doente. A minha mãe era muito caseira e dengosa. Eu, depois dos
60 anos, descobri um novo hobby: viajar. Eu tenho perspectivas, planos.
Isso proporciona a minha longevidade”.
Marlene Pinto Cerqueira tem 83 anos, mas redescobriu a vida aos 60: viagens frequentes e ida a barzinhos com amigos |
Marlene Pinto Cerqueira está com 83 anos e é só planos. Para ela, a
terceira idade tem um significado especial. “Eu percebi que passei pela
vida e não estava vivendo”, comenta. Foi depois dos 60 anos que ela
conheceu vários países da Europa, viajou pelo Brasil e descobriu a
paixão pela Costa do Sauípe (PE). “Antigamente, as velhinhas só faziam
crochê e iam pra missa. Eu até gosto de fazer os dois, mas no seu tempo e
não só isso”, complementa.
Aos 60 anos,
Marlene se redescobriu e não entende o espanto das pessoas com a
proatividade que a nova terceira idade tem. Gosta de contar sobre a ida
aos barzinhos com os amigos. Após perder um filho, o marido, mãe, pai e
irmãos, se conhecer melhor foi o fôlego necessário para seguir em frente
e perceber que ainda havia muito o que viver. “Tudo o que eu fiz de bom
foi depois de mais velha”. Ela descobriu o gosto por cantar, a
liderança para organizar eventos, como festas e bingos — e uma
capacidade empresarial incrível. O seu maior desafio é tocar uma
associação de idosos no Cruzeiro. Marlene está no cargo há 19 anos e
nenhum colega se habilita a tirá-la do posto.
Por
causa da associação, Marlene teve que se reinventar. Antes restrita ao
ambiente doméstico e sem trabalhar fora de casa enquanto mais jovem, ela
aprendeu noções empresariais — como contabilidade, pessoa jurídica e
organização de eventos. “Cuidar daqui me estimula.” Graças ao trabalho,
aprendeu a mexer no computador, e o WhatsApp virou uma ferramenta
fundamental.
Marlene não para: enquanto
organiza o salão para receber palestras, fica de olho se o lanche está
bem servido e dá atenção para cada colega que chega. Na última
quarta-feira, recebeu agentes do Detran que faziam uma palestra sobre
como os idosos devem se portar no trânsito como pedestres e motoristas. A
preocupação com o bem-estar social vai além da comunidade que ela
cuida. “Agora mais do que nunca eu voto todos os anos, embora não seja
obrigatória. Mas veja bem: eu estou mais experiente e me sinto com mais
capacidade para votar".
Fonte: Correio Braziliense
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