A rotina de Iracema Genecco, de 67
anos, foi cansativa durante a juventude. Ela costumava acumular dois ou
três empregos no jornalismo para criar a filha única e ainda fazia horas
extras, para aumentar a renda. Logo que conseguiu se aposentar, aos 60
anos, viajou para diversas regiões da Europa. Encantada com a chance de
conhecer novos lugares, tornou-se mochileira.
A história de
Iracema assemelha-se à de Vera Lúcia Andrade, de 69 anos, e Flora
Contin, de 65. Elas passaram a juventude revezando entre os cuidados com
a família e o trabalho. Depois de conquistarem a aposentadoria,
decidiram fazer mochilões - viagens de baixo custo e com pouco ou nenhum
luxo.
Nas bagagens - carregadas em mochilas ou malas -, cada uma
delas levava roupas, itens de higiene pessoal e o sonho de viagens que
haviam adiado por tantas décadas.
"Entre as boas experiências que
guardo das viagens, a maior de todas é a descoberta de que devemos viver
o momento presente da melhor forma possível, pois não conhecemos o
futuro e o passado nunca será recuperado", diz Iracema, que fez seu
primeiro mochilão em 2011.
Iracema, Vera e Flora estão em uma faixa etária cada vez mais
numerosa no Brasil. Em 1991, a população brasileira acima dos 60 anos
contabilizava 10,7 milhões de pessoas. O número mais do que dobrou 25
anos depois. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), os idosos correspondiam a 29,6 milhões de brasileiros em 2016.
E as mulheres são maioria: são 16,6 milhões delas, contra 13 milhões de homens acima de 60 anos.
Uma
pesquisa de novembro passado do Ministério do Turismo mostrou que 31,7%
dos idosos consultados tinham a intenção de viajar até maio deste ano.
O
ministro do Turismo, Vinicius Lummertz, pontua que o aumento da
população idosa tem motivado o setor turístico a fazer adequações.
"Temos que trabalhar com políticas públicas específicas e sensibilizar
os prestadores de serviços turísticos para a necessidade de estarem cada
vez mais preparados para atender esse público de acordo com suas
especificidades", explica à BBC Brasil.
Para Iracema, muitos
idosos temem conhecer novos lugares por acreditarem que seja impossível
viajar depois dos 60. "Se a pessoa tem boa saúde, gosta de caminhar
bastante e tem forças para levar a mala, o resto é lucro. É importante
fazer um check-up antes, com médicos e dentistas, contratar um seguro de
viagem pelo período em que permanecer fora e levar medicação
necessária. Tomando esses cuidados, fica tudo bem."
Viajante sem rumo certo
Na
juventude, Iracema costumava sonhar com as viagens que faria para
conhecer o mundo. "Eu pensei nisso a vida inteira, mas só consegui
depois de aposentada."
A rotina profissional e os cuidados com a
filha não a deixavam ir para muito longe. "Era difícil conciliar os dias
de férias para viajar, porque além do dinheiro curto, eu acumulava os
empregos. Saía de um trabalho e corria para o outro, diariamente. No
horário do lanche, dava uma escapada para espiar minha filha na creche.
Nos fins de semana, ainda fazia algum freelancer", lembra.
A filha
da jornalista cresceu, se tornou independente e foi para Londres. Há
sete anos, Iracema conquistou a aposentadoria e foi visitar a filha.
Durante a viagem, aproveitou para ir a outras regiões da Europa.
"Depois, não consegui mais ficar sossegada em casa. Mal retornava de uma
viagem e já ficava pensando na próxima."
Desde então, ela tem
feito diversos mochilões pelo mundo. Há cinco anos, decidiu que não iria
ter paradeiro fixo e passou a levar a vida viajando. "Fui aumentando
gradativamente os períodos das viagens. Começaram com duração de quatro
meses, depois seis meses, passou para um ano e agora não tenho mais
volta programada. Gosto de viagens de longa duração. Vou para uma
região, me instalo e saio para conhecer as redondezas."
Ela
conheceu lugares como a Ilha de Páscoa, o Irã, a Rússia e diversos
países da Europa, onde passou meses seguidos. Atualmente, está na
Espanha há nove meses. "Não tenho previsão de quando vou sair daqui,
quero ficar mais um tempo, para conseguir visto de longa duração",
relata a aposentada. "Vou ficando nos lugares. De repente, vejo outro
local que gostaria de conhecer e vou."
O idioma nunca foi
problema. "Eu consigo dialogar em inglês, italiano e espanhol. Não houve
nenhuma dificuldade que o Google Translate não solucionasse", diz.
Para
sobreviver nos países, ela utiliza a aposentadoria e também trabalha em
troca de hospedagem e alimentação. "Já cuidei de cachorro e de casa,
fiz plantações em jardim ou horta e até limpei casas."
Ela conta ainda que aprendeu a readaptar a vida e os costumes após se
tornar viajante. "Não compro nada além do necessário. Ando de
transporte público ou de carona. Só compro passagens aéreas se estiverem
em promoção", diz.
A mochileira revela ter passado por momentos
difíceis durante as viagens, como o dia em que perdeu um barco que a
levaria a uma cidade onde tinha reservado duas diárias em um hotel. "Eu
fiquei sem rumo e sem ter lugar para ficar. Foi a única vez em que
sentei na mala e chorei, enquanto via o barco sumindo no horizonte",
conta.
Nenhuma dificuldade, porém, desestimulou Iracema de seguir
viajando. Solitária durante a maioria das viagens, a idosa teve de
aprender a lidar com os próprios temores. "O medo é inevitável, acredito
que ele seja o nosso guardião. Ele nos avisa dos momentos
potencialmente perigosos."
Na companhia do filho
Vera
Lúcia, 69, já havia viajado - fora três vezes aos Estados Unidos, onde
vive a filha mais velha -, porém nunca tinha pensado em fazê-lo de um
modo mais aventureiro. No ano passado, ao ouvir do filho mais novo, de
22 anos, que ele iria sozinho em um mochilão para a Europa, ela decidiu
acompanhá-lo.
"Falei que também queria ir. Eu quis ter essa
experiência porque tenho a cabeça bem aberta, gosto muito de ler e de me
aventurar", conta Vera.
O filho dela, o analista de marketing Helder Araújo, não acreditou, a
princípio, que a mãe fosse acompanhá-lo. "Eu falei que iríamos ficar em
quartos compartilhados em hostels, que o orçamento era de baixo custo,
que não era todos os dias que teríamos três refeições e que teríamos de
usar transporte público. Mesmo com tudo isso, ela respondeu: ótimo",
diz.
Quando era mais nova, Vera trabalhava com análises químicas.
Casada há 40 anos, ela dividia a vida entre a dedicação à família e ao
trabalho. Eram poucas as viagens, somente para visitar familiares, em
Goiás. O sonho de conhecer novos lugares no Brasil ou em outros países
sempre a acompanhou. "Eu leio muito e acho que a leitura faz com que a
gente tenha vontade de conhecer o mundo todo", conta a aposentada.
Ela
e o filho viajaram durante 18 dias, de 8 a 16 de abril. Conheceram Roma
e Florença, na Itália; Liubliana, na Eslovênia; Zagreb, na Croácia, e
Viena, na Áustria. "A gente ia aos pontos turísticos, aos museus e aos
lugares altos onde dava para ver a cidade. Não deixei de ir a nenhum
lugar. Fomos até em alguns que não eram planejados", orgulha-se.
O
desempenho da aposentada surpreendeu o filho, que não esperava que ela
conseguisse ir a todos os lugares planejados. "Várias pessoas com minha
idade não têm metade do pique dela. Ela foi incrível."
A
aposentada conta que outros turistas ficavam surpresos com a presença
dela nos hostels. "Eles diziam que era maravilhoso ver uma senhora da
minha idade fazendo um mochilão, ficando em quartos compartilhados e
tendo que subir em beliches", relata Vera, que se comunicava com os
estrangeiros por meio do Google Translate. "Eu pegava o celular e
colocava no tradutor, porque meu inglês não é bom", diverte-se.
Para
ela, o mochilão foi a melhor viagem que fez em toda a vida. "Foi
fantástico. Conheci muitos lugares e pessoas bacanas. Tem muito jovem
aventureiro, sem medo de viajar. Isso é incrível." Vera conta que a
presença do filho foi fundamental. "Eu não tive medo em nenhum momento,
porque me sinto segura com ele. Meu filho fala bem inglês e sabe
administrar as viagens que faz, por isso estava tranquila", relata.
'Feliz com meus medos'
A
aposentada Flora Contin também queria uma companhia durante a viagem. No
entanto, os dois filhos não puderam acompanhá-la. "Eles trabalham e têm
a vida deles. Chamei também alguns amigos, mas ninguém podia", comenta.
Sozinha, decidiu realizar um sonho que a acompanhava havia anos:
conhecer Machu Picchu, no Peru. "Decidi que era a minha hora de viajar."
Os
filhos da aposentada, a princípio, tiveram medo da viagem solitária da
mãe, então com 64 anos. Depois, acabaram incentivando e a auxiliando nos
preparativos.
Para organizar a aventura, ela acessou diversos
sites e páginas sobre mochileiros que foram a Machu Picchu. "Depois,
começamos a pesquisar sobre hotel, hostel e outras coisas. Comprei minha
passagem com antecedência e anotei todas as dicas que via em grupos de
viajantes."
Ela embarcou para o Peru em 11 de agosto. A primeira
viagem sozinha foi um desafio para a aposentada. "Eu tive muita
insegurança. Logo que cheguei ao Peru, tive que me virar. Não havia
ninguém me esperando. Para driblar o medo, toda hora pensava: é um sonho
e vou superar."
"Quando você está lá, as coisas vão acontecendo
aos poucos e você vai superando. No fim, fiquei feliz, mesmo com meus
medos e inseguranças", completa.
Ela passou dois dias em Lima,
capital do Peru. Depois foi para Cusco, onde visitou sítios
arqueológicos e museus. Por fim, embarcou no ônibus que a levou a Machu
Picchu.
"Olhava tudo aquilo e pensava o quanto era maravilhoso estar ali. Era tudo o que eu mais queria", diz a aposentada.
Os
registros fotográficos de Flora foram feitos pelos viajantes que
conheceu durante o passeio. "Eles falavam que era incrível ver uma
pessoa da minha idade viajando sozinha. Eu ficava realizada por isso.
Mesmo sozinha, fui muito feliz."
Novos sonhos
Flora
e Vera Lúcia planejam novos passeios, no Brasil e no exterior. Já
Iracema continua sua viagem pelo mundo e sem previsão para voltar a
morar no Brasil.
A psicóloga Daniela Zanini explica que as viagens
trazem diversos benefícios aos idosos. "Representam estímulos diversos e
diferentes dos habituais. Aumentam da rede social do idoso, além de
melhorar a autoestima, a qualidade de vida e o bem-estar", afirma.
As
viagens trouxeram uma nova visão sobre a vida para Flora. "A vida é
curta. A gente vive em um redemoinho, com casa, comida, roupa e outros
compromissos. Mas se tem vontade, vá atrás dos seus sonhos, vá viajar.
Viver é simples e não é preciso muita coisa pra ser feliz."
Prestes
a completar 70 anos, Vera Lúcia também incentiva outros idosos a
viajar. "Idade não é impeditivo. Faço ioga, teclado e dança. Sou uma
pessoa muito ativa. Tenho uma garra para viver e participar das coisas.
Nunca é tarde para fazer qualquer coisa na vida. Tudo é uma questão de
vontade", diz.
Entusiasta das viagens na terceira idade, Iracema
acredita que sua vida melhorou após decidir pegar sua mala e a mochila
para sair sem destino certo. "O mundo é muito maior do que o meu
quintal. Não consigo ficar parada no sofá assistindo TV. Enquanto
conseguir arrastar minha mala e mochila por aí, penso em seguir
viajando."
Fonte: BBC
Iracema, Vera e Flora
estão em uma faixa etária cada vez mais numerosa no Brasil. Em 1991, a
população brasileira acima dos 60 anos contabilizava 10,7 milhões de
pessoas. O número mais do que dobrou 25 anos depois. Conforme a Pesq... -
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Iracema, Vera e Flora
estão em uma faixa etária cada vez mais numerosa no Brasil. Em 1991, a
população brasileira acima dos 60 anos contabilizava 10,7 milhões de
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