quarta-feira, 11 de julho de 2018

Smartphone e Videogame entram na rotina dos residenciais para idosos

Casas têm aulas de computação e jogos virtuais, com objetivo de estimular raciocínio, coordenação motora e aproximar os mais velhos da família.

“Como vai você? Eu preciso saber da sua vida”, cantarola a professora aposentada Ronalda Caleiro, de 90 anos, enquanto assiste a um vídeo do cantor Roberto Carlos no YouTube. Perto dela está a pedagoga aposentada Ney Rennó, de 83 anos, que joga paciência no computador. As duas não se intimidam com telas e cliques: são alunas de uma oficina que ensina os mais velhos a usar smartphones, redes sociais e computadores – tendência cada vez mais presente nos residenciais para idosos. Videogames também entraram no cardápio de atividades desses locais, onde é possível morar ou passar o dia, sob cuidados de profissionais.  

Ronalda já participou de duas aulas desde que começou a viver, há um mês, no Residencial Santa Cruz, no Jardim Marajoara, zona sul paulista. E, embora nunca tenha gostado de tecnologia, está vendo o mundo virtual como uma alternativa para manter o contato com as pessoas que ama.  

“Estava acostumada a lidar com casa, limpar, passar. Meu filho me deu um celular, mas achei muito difícil”, diz Ronalda. Precisa de tempo para aprender. Só tenho meu filho e meu neto e quero falar (com eles).”

A dona de casa Maria Bersot, de 86 anos, achava que não queria aprender a usar aparelhos tecnológicos. Mudou de ideia. “Quem está fora disso, não está no mundo. Em duas aulas, aprendi a telefonar pelo celular. O celular é muito rápido e eu apertava com força. Quando apertava o número um, ele já aparecia três vezes. Agora, já sei tirar foto. Aprendi sozinha.”

Maria usa o aparelho para se comunicar com a filha, que mora em Santos, no litoral paulista, e diz que é incentivada por ela a fazer aulas de computação. “Eu pensava que a tecnologia fosse difícil, mas não é”, diz. 

A também dona de casa Maria Terezinha Ledo, de 86 anos, já tinha um pouco de conhecimento tecnológico, mas passou a interagir mais nas redes sociais após as aulas. “Tem coisas no Facebook que não sei muito. O resto vou enfrentando. Uso o WhatsApp todo dia e adoro foto.” O YouTube também caiu no gosto dela. “Escuto minhas músicas antigas: Orlando Silva, Nelson Gonçalves. Quase não vejo mais televisão”, conta. 

Novidade 

Gerente de Tecnologia da Informação do residencial, Alexandre Nadalutti explica que a oficina “Conectados” começou há cerca de dez meses para aproximar os idosos das tecnologias, mas sempre atendendo às suas demandas. “Essa aula ocorre uma vez por semana para que possam perder o medo e ver o que podem ganhar com o computador. Nossa abordagem é para ver o que gostam, como músicas, jogar cartas.”

Segundo ele, os benefícios vão além dos novos conhecimentos. “Estimulamos a coordenação motora, e um dos pontos mais legais é a interação com a família. Fazemos tour mostrando cidades com o Google Street View, eles conversam pelo Skype. As aulas ampliam os horizontes deles por meio da tecnologia”, diz. 

A saudade da casa onde morava em Ubatuba, no litoral norte paulista, acaba quando Ney está na frente do computador. “Vejo a minha casa. Fechada, com a cortina aberta. Gosto de ver minha casa, minha cidade. Eu me sinto muito perto de lá.”

A aposentada conta que ganhou três computadores do filho, mas nunca se interessou. Agora, quer dar uma chance ao equipamento. “Quero aprender a me comunicar com minha família. Meus netos mandam fotografias em campeonatos de surfe. O que tem 9 anos ganhou. Não sei mexer no celular, mas, de vez em quando, eu vejo.”

Para a dona de casa Nair Olivieri, de 91 anos, a melhor parte é ouvir músicas italianas. Na aula, até cantou vendo um show de Andrea Bocelli. “Esse nem é um dos shows mais bonitos. Tem uns que eu choro. Com a minha idade, tem de ser coisa que bate no coração.” 

Jogos

O videogame também está sendo usado em outros residenciais. Começou com testes no Recanto São Camilo, em Cotia, Grande São Paulo. E, no ano passado, passou a integrar a programação semanal. “Usamos um jogo de esportes, que tem futebol, tênis, boliche, escalada. Antigamente, utilizávamos os esportes convencionais e, agora, estamos com o Xbox. Trouxemos essa opção para que eles possam acompanhar as tecnologias”, diz a terapeuta ocupacional Juliana Firme, especialista em gerontologia.

Na atividade, são estimulados o raciocínio, a atenção, o equilíbrio, respeitando as limitações dos idosos. “Temos atividades manuais e buscamos na internet inspirações para que possam desenhar. Tem idosos que utilizam o celular e trazem o desejo de partilhar a rotina com os familiares”, conta.  



Unidades têm Wi-Fi e até jogo de boliche virtual 

Além do contato com smartphones durante as oficinais de tecnologia, os moradores dos residenciais para idosos usam aparelhos dados pelos parentes. Por isso, a rede interna de Wi-Fi se tornou uma necessidade. 

Dos 370 residentes nas seis unidades do Cora Residencial Sênior, pelo menos 30 usam algum tipo de tecnologia. As aulas de informática e de smartphone estão começando a atrair adeptos. O Cora tem atividades do tipo em suas seis unidades na capital, em bairros como Jardins e Higienópolis, na região central de São Paulo. 

“É uma forma de entretenimento. Eles buscam ver notícias, procuram receitas e mensagens, mas têm uma diferença em relação aos jovens, porque olham como algo que vai ajudar, não como alguma coisa que vai ter de usar o tempo todo”, explica Camilla Vilela, gerontóloga do residencial.

O videogame também foi incluído nas atividades e, há um ano, eles foram apresentados ao jogo de boliche virtual. “Nós usamos esse jogo porque foi uma atividade que fizeram de forma analógica. Eles relembram histórias e trazem conteúdo da vida deles. Quando começamos a atividade, não conseguiam entender como era possível o movimento do corpo ser reproduzido na televisão. Agora, estão bem animados”, afirma Camilla.

Na rede pública, também há oficinas do tipo para os mais velhos. O Centro de Referência do Idoso da zona norte, em Santana, vai abrir do dia 10 ao dia 24 inscrições para o curso gratuito de informática, que aborda o nível básico de computação e internet. O espaço também oferece aulas esporádicas de uso de smartphone. 

Benefícios

Professor associado do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cícero Galli Coimbra explica que o benefício de novos aprendizados em qualquer etapa da vida já foi provado em estudos científicos. “Quando a pessoa está aberta a aprender coisas novas, mantém a produção de neurônios novos. Os idosos não devem se sentir inibidos”, destaca. 

De acordo com o especialista, a interação com outras pessoas também contribui para a longevidade. “Quanto mais interação social com familiares, amigos e conhecidos, mais preservação o idoso vai ter da capacidade cognitiva. Falar e ouvir a voz é uma maneira de escapar do isolamento”, diz. 


QUATRO PERGUNTAS PARA: Marina Vasconcellos, terapeuta de família da Unifesp

1. Qual a importância de idosos terem contato com tecnologias?
 Além de desenvolver o cérebro – porque estímulos diferentes ajudam a não desenvolver doenças degenerativas – há contato com a nova geração. Quem não tem família se aproxima do mundo, vê palestras e lugares. 

2. Essas atividades também são lúdicas. Isso faz diferença?
O lúdico é sempre bem-vindo em qualquer idade. Quando se aprende de modo divertido, aprende-se mais, porque o cérebro tem a memória afetiva. Se a pessoa não faz nada físico, é uma forma de se exercitar sem achar que está fazendo exercício. 

3. Alguns usam para ouvir músicas da juventude e ver locais do passado. Qual o efeito disso?
 Tudo que traz boas emoções é bom para a felicidade. Ajuda na memória, que deve ser estimulada para ser mantida. 

4. Como parentes podem ajudar com a tecnologia?
Buscar algo não tão difícil de aprender e um modo legal de ensinar – um jogo que se aproxime do mundo do idoso. E é importante saber que nem todos vão querer isso.

Fonte: Estadão

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