quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Refletindo sobre a "Velhice"

Por Mary Del Priore, 'Entramos na velhice em idades muito diferentes'

A velhice é um tema que provoca arrepios. Palavra carregada de inquietação e angústia, ela também representa capturar. Quando é que se fica velho? Aos 60, 65 ou 70 anos? Nada mais flutuante do que os contornos da velhice, conjunto complexo fisiológico-psicológico e social. Temos a idade de nossas artérias, de nosso coração, ou seria no olhar dos outros que enxergamos nossa idade? Enfim, a única certeza é que desde que nascemos começamos e o fazemos em velocidades diferentes. O modo de vida, o ambiente, a situação social aceleram ou retardam a evolução da velhice, e isso acarreta envelhecer em idades muito diferentes.

Digo tudo isso, pois o Brasil está envelhecendo. Uma boa razão para começarmos a nos aproximar do tema se encontra no reconhecimento dos nossos membros da Terceira Idade. Antes marginais, eles hoje são a espécie mais comum de cidadãos. Os idosos sábios e experientes, cada vez mais fazem parte da publicidade atual: oferecem máquinas de lavar, passeios turísticos, produtos e etc... A medicina se debruça sobre os problemas específicos dessa clientela, os economistas se inquietam frente aposentadorias e os demógrafos se desolam com uma pirâmide de idades invertida - mais velhos, menos jovens, prazos, caminhando para um Brasil cheio de rugas. O Estado também vai tomando consciência da amplitude da situação e começam a refletir sobre este assunto. E os historiadores também.

Um deles, George Minois, fez um estudo interessante sobre os idosos na sociedade inca, do Peru. Ele descobriu características interessantes, que aqui reproduzo. O Estado inca, que funcionava como espécie de grande família do chefe inca. Sociedade extremamente organizada, cada um tinha o seu papel, como formigas, os indígenas matavam e comiam os velhos. Mas a partir da conquista do chefe Manco Capac, no século 12 a organização foi estabelecida, oferecendo aos idosos toda a segurança.

Havia a classe dos que "andavam "desdentados" e dos que só queriam comer e dormir. Registros da igreja católica, em certos vilarejos, existiam também uma forte proporção de centenários que fumavam, bebiam e tinham uma surpreendente atividade sexual.

Numa sociedade sem escrita, os idosos tinham o papel de arquivos vivos. Eram conselheiros de soberanos e cada inca possuía seu conselho informal, a fim de guiá-lo nas suas decisões. As mulheres idosas tinham o papel de médicas, eram também sacerdotisas no tempo do Sol, em Cuzco. Os idosos do povo eram cuidados pela comunidade. Recebiam também grãos dos armazéns do chefe inca, que era algo garantido a partir dos 50 anos. Uma sociedade assim foi apresentada como utópica aos europeus, tendo um efeito na imaginação dos homens e mulheres entre os séculos 16 e 18. Nela, cada um tinha um papel a ser exercido. Não é a toa que os europeus acreditavam que a flor da juventude, aquela mesma que Deus teria plantado no paraíso se escondia nas montanhas andinas. Exatamente entre o Peru e o Equador.

*Mary Del Priore é historiadora

Fonte: Estadão

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