quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Depressão em idosos: os riscos e as armadilhas da doença nesta fase da vida.


Na velhice, alguns sintomas podem não ser expressados claramente, sendo, inclusive, confundidos com sinais de outros problemas.

A trajetória profissional é concluída e chega a aposentadoria, percebe-se um afastamento gradual dos que antes viviam mais próximos, fica cada vez mais nítida a noção de que a vida é finita – morrem parentes e amigos, surgem doenças, o corpo não funciona como antes. Envelhecer, como o dia a dia insiste em comprovar, é conviver com perdas, que são gatilhos para um mal muito frequente na terceira idade: a depressão. 

Adoecer em silêncio.

Com o avançar da idade, as dificuldades podem se acumular ou se apresentar a intervalos curtos de tempo. Imagine uma pessoa que acabou de se aposentar e tem de lidar com uma queda substancial nos rendimentos e o excesso de tempo ocioso a ser preenchido. Ao mesmo tempo, ela descobre um problema crônico de saúde – em média, um idoso apresenta quatro enfermidades simultâneas – e, de repente, recebe a notícia da perda de um amigo de longa data. O psiquiatra Eduardo Hostyn Sabbi, coordenador do Departamento de Psicogeriatria da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), faz uma comparação:

– É como um garçom que está recolhendo os pratos da mesa. Daqui a pouco ele vai ter mais pratos do que os braços dele podem carregar. Perdas consecutivas têm um impacto superpesado.

A depressão atinge, de acordo com os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, até 5% dos idosos que vivem em comunidade. Os números mais do que dobram em se tratando daqueles internados em hospitais (11,5%) e dos doentes em homecare (13,5%).
O envelhecimento progressivo da população é um fator importante a ser considerado. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que a proporção de pessoas acima de 60 anos vai quase duplicar até o ano de 2050, passando de 12% para 22% do total (de 900 milhões para 2 bilhões de indivíduos).


– Como vamos viver mais, vamos viver mais com a depressão também – comenta Ricardo Barcelos Ferreira, psiquiatra com especialização em psiquiatria geriátrica e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais. 

A depressão é mais comum em algumas famílias, repetindo-se de geração em geração, explica o geriatra João Senger. Herdada ou não, está frequentemente associada a alterações neuroquímicas no cérebro, principalmente na velhice. Os quadros depressivos podem ter características peculiares entre os mais velhos. Grande parte dos pacientes não relata, objetivamente, sentir tristeza. Eles tendem a apresentar queixas quanto a dores no corpo, alterações no apetite e no sono, perda ou ganho de peso, falta de ar, diarreia ou constipação, má digestão. Também são comuns sintomas como irritabilidade, ansiedade, perda de interesse, esquecimento e dificuldade de concentração.

– A apresentação é atípica: não podemos ficar esperando que o paciente diga que está triste, chorando, sem ânimo. Ele pode também não se dar conta de que está deprimido. Às vezes, o médico diz que é um quadro depressivo, e o paciente não aceita – destaca Senger. 

A personalidade de cada um é determinante para a forma como esse período da existência será encarado, e a capacidade de adaptação a adversidades e mudanças pode ser maior ou menor. Pessoas de baixa autoestima, com uma visão pessimista do mundo ou suscetíveis ao estresse estão mais predispostas à depressão. Aquelas de personalidade mais narcisista, por exemplo, podem encontrar dificuldade para aceitar alterações estéticas como as rugas e a flacidez. Outras, menos maleáveis, talvez sofram com mudanças repentinas, como a perda do emprego. 

Traços de personalidade se acentuam – a velhice é uma caricatura do que a pessoa foi, explica Senger. Se você sempre teve o mau humor como um traço marcante, deverá se tornar um idoso mais mal-humorado ainda. Quem sempre foi dócil vai ter essa característica intensificada. Mas o geriatra atenta para ideias equivocadas muito disseminadas que podem prejudicar o diagnóstico e retardar o tratamento de doenças. Costuma-se atribuir certos problemas e dificuldades à terceira idade, como se fossem típicos dessa fase e contra os quais não se pudesse nada fazer: "É da idade", fala-se com frequência. 

– Esses termos deveriam ser banidos. Não é "da idade". Envelhecer não é doença. Pode haver uma lentificação, caminhar mais devagar, pensar mais devagar, mas o envelhecimento não faz com que você não consiga mais fazer isso ou aquilo. A limitação e a perda de funcionalidade vêm por doença, não por envelhecer. As pessoas dizem: "Ah, mas com essa idade é normal que não consiga mais fazer isso". Não, não é normal – contesta o geriatra.
Habituadas a seguir um calendário de consultas e exames desde cedo, as mulheres não resistem a procurar um médico quando algo não vai bem. Já para os homens, a tarefa não parece ser tão simples – resistem, ao longo de toda a vida, a bater na porta dos consultórios. 

– É mais fácil uma mulher chegar e dizer para o médico "estou com depressão", ou qualquer outra doença, do que os homens. É mais fácil o homem se tornar um alcoólatra do que procurar um laboratório para se tratar – conta o psiquiatra Ferreira, salientando que a depressão é mais frequente entre as idosas.

 

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